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Catedral da Luz

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Sociologia de bancada

04.05.13, Bruno Vieira Amaral

De cada vez que o Benfica ganha há pelo menos uma dúzia de portistas e sportinguistas que se licenciam em Sociologia. Basta o Benfica estar na iminência de conquistar qualquer coisa e alguns adeptos dos rivais desdobram-se em tentativas furiosas de não só pôr em causa o mérito do Benfica (o que aceito e vejo com alguma normalidade porque isto é o futebol português e nós também quase sempre olhamos mais para fora do que para dentro quando falhamos) mas de estabelecer correlações sociológicas entre o benfiquismo e o estado do país. Dizem, naquele estilo que eles pensam ser irónico mas que não passa de uma crise de fígado, que agora é que os problemas do país ficam resolvidos, que pode aumentar a taxa de desemprego, que o Governo pode anunciar cortes. Outros filosofam sobre a relação dos benfiquistas com o próprio clube, que dizem messiânica, o que é verdade (embora espírito de missão seja uma ideia mais acertada), mas que se aplica a qualquer grande clube, que tem sempre na sua matriz uma dimensão interior de missão que é o motor de declarações e lemas como “Somos Porto”, “Mais que um clube”, “You’ll Never Walk Alone”, “Esforço, Dedicação, Devoção e Glória” e “E Pluribus Unum” ou um “Benfica à Benfica”. É essa matriz, que os adeptos vivem como destino do clube, no sentido de ser algo que ultrapassa a conjuntura histórica, que os leva a encarar cada sucesso como o natural cumprimento desse destino e cada fracasso como um sintoma de que a verdadeira identidade do clube não está a ser respeitada (por dirigentes, treinadores ou atletas) ou está a ser atacada (por obscuras forças externas). Ou seja, se ganhamos, estamos a ser o que somos, se perdemos, alguém, de dentro ou de fora, está a corromper a natureza do clube, a sua identidade, o seu destino. É neste ambiente quase religioso que os adeptos falam do “glorioso”, da “catedral”, do passado tornado mito. É esta a relação, a traço grosso, do adepto benfiquista com o seu clube e os adeptos rivais têm tanto a ver com essa relação íntima como eu tenho a ver com os nomes que os meus vizinhos trocam na intimidade, os sítios onde comemoram os aniversários de casamento, os momentos que reforçam essa comunhão que é a deles e sobre a qual os comentários que eu possa fazer põem-me na triste e infecunda posição dos que estão de fora e querem rachar lenha. Fora disto, qualquer extrapolação sociológica sobre o benfiquismo e o atraso do país é um exercício patético que deriva totalmente da angústia da derrota e que nada deve à racionalidade. Entre os milhões de adeptos benfiquistas (como entre os de qualquer outro clube) há ricos e pobres, putas e os seus filhos, garanhões e tímidos, desempregados e milionários, bandidos e polícias, políticos e gente séria. Há pessoas que abraço naquele estádio quando ganhamos com as quais nada quero ter a ver fora dali. Enquanto ali estamos somos benfiquistas, fora dali somos cidadãos cumpridores e incumpridores, bons e maus pais, exemplares maridos ou nem por isso. Lá dentro, não temos partido, classe ou religião. Cor, só o vermelho. Por estes motivos, também me custou ler neste blog um post sectário sobre o Benfica ser o clube do povo, um post que rejubilava com a pretensa azia de outros benfiquistas com a capa do jornal do clube. Esse tipo de afirmações burras é a negação da essência do meu Benfica: um clube que mais do que do povo é um clube de todos, um clube inclusivo e não um clube exclusivo. O futebol, sabemos bem, é um fenómeno sociológico que dispensa a sociologia de bancada.

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