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Catedral da Luz

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Jogos que não se esquecem

26.08.15, Nuno Gonçalo Poças
Há jogos que nos ficam na memória. Uns por bons, outros por maus motivos. O 3-6 em Alvalade, por exemplo, foi um jogo que decorei. Gravado num VHS, foi visto várias vezes, vários dias - às vezes até enquanto almoçava, às vezes num furo na escola. A final da Taça de Portugal de 1993 é outro desses jogos. Tinha 7 anos, quase 8, e ainda hoje sei o 11 inicial de olhos fechados: Neno, Veloso, Mozer, William, Schwarz, Paulo Sousa, Vítor Paneira, Futre, Rui Costa, João Pinto e Rui Águas. No banco, Silvino, Hélder e Isaías (que entrariam na segunda parte) e, se não me falha a memória, Kulkov e Yuran.
O campeonato estava perdido para o Porto, num ano em que tínhamos melhor plantel. O Verão Quente de 1993 estava para chegar. Paulo Sousa e Pacheco rumariam ao Sporting. João Pinto esteve por um fio. Mas ainda havia a final da Taça para jogar, contra um Boavistão brilhantemente treinado (segundo os padrões dos anos 90) por Manuel José. Rui Bento, Artur, Marlon Brandão. E a puta Lemajic na baliza.
Nesta altura, reza a lenda, o Toni chegava ao balneário, indicava o 11 titular e dizia-lhes "vão lá para dentro e joguem o que sabem". Era uma equipa de sonho. A melhor que se lhe seguiu surgiu no ano 2013/2014.
E eles foram lá para dentro e jogaram o que sabiam.
O Rui Águas baixa para tabelar com Paneira. Paneira toca na linha para João Pinto que devolve a Paneira e tiram adversários do caminho. Paneira adianta e toca curto em Águas. Águas com o calcanhar devolve adiantado para Paneira e tira 3 defesas do Boavista do caminho. Paneira fica isolado em frente ao guarda-redes e, com um toque simples, sublime, de génio, mete a bola na rede. Salta os painéis da publicidade, beija a camisola e levanta os braços para a multidão encarnada eufórica nas bancadas. Os modernos diriam que aquilo era tiki-taka. É de génio.
A história continua. Rui Costa mete a bola na vertical em Águas que, mais uma vez, baixou para tabelar e devolver a Rui Costa. Os adversários ficavam sempre pelo caminho. Tabelas, passes curtos, carrossel. Um boavisteiro de carrinho corta a bola, que vai parar à canhota de Paulo Futre. Um, dois boavisteiros no chão, cruzamento. João Pinto, na pequena área, salta, deita o corpo na horizontal, puxa a cabeça atrás e mete a bola num canto da baliza.
A esta hora abandonávamos o café onde víamos o jogo. Queríamos ir para o alcatrão jogar à Benfica. Queríamos ser o Futre, o Paulo Sousa, o Paneira, o João Pinto.
Rui Águas cabeceia contra Lemajic e falha o 3-0. Futre cruza atrasado, mas Lemajic segura e Schwarz chega atrasado. Era uma avalanche.
Mas Mozer tem um deslize e deixa o caminho aberto para Marlon Brandão, o melhor do Boavista, que reduz para 2-1. Vamos assim para o intervalo. Nós continuávamos a fintar as pedras, a rematar contra o gordo. Eu era o único canhoto, mas o mais pequeno e o mais desajeitado. Podia ser o Futre, em teoria, mas na prática mal seria um William. O jogo recomeça.
Está moribundo, adormecido. Mas Rui Águas recupera uma bola rapidamente e adianta num ápice para Paulo Futre que corre, corre, e dispara um tiro para o canto da baliza de Lemajic. "Inchem, cabrões". Os putos lagartos lá da rua aturavam-nos. Não eram todos fintados no asfalto, mas na televisão o Maior estava a dar uma tareia no Boavista, o Sporting não prestava e nós enchíamos o peito de amor e orgulho no Benfica.
Entretanto, o Alfredo vai para o balneário, depois da expulsão. Foi nesse dia que aprendi que os jogadores suplentes também podiam ser expulsos. Nunca mais me esqueci.
Canto para o Boavista. O Neno sempre foi mau nas bolas paradas. Tavares, um cepo que viria a vestir a camisola mais bonita do mundo, empurra-a lá para dentro. 3-2. Merda.
Volta o carrossel. O Benfica monta a tenda no meio campo do Boavista e Futre cava um penalty. William falha. Marlon Brandão marca um livre perigoso, mas Neno responde com uma boa defesa. Continuamos encaminhados. Quando um falha, logo outro se levanta. E eis que Paulo Sousa mete a bola na área e Futre empurra lá para dentro. 4-2 e ainda não ficava ali.
Ainda havia tempo para Rui Costa dar um baile a 3 adversários e levar uma canelada. Livre para o Benfica. Schwarz remata, a bola vai ao poste e ressalta para os pés de Rui Águas. 5-2 final.
Pouco depois Veiga Trigo apitava para o final da partida. O Benfica conquistava a Taça de Portugal, fazia uma exibição esmagadora e preparava-se para um Verão trágico e para o início do fim de décadas gloriosas.
Há jogos que não nos saem da cabeça. A final da Taça de 1993 é só um deles.

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