O fantoche
Vê-se que o senhor Vítor Pereira não tem vocação para bruto, como um Paulinho Santos ou um guarda Abel, mas revela uma enorme vontade de ser bruto, de espumar como um bruto, de debitar a cartilha das Antas como um verdadeiro bruto. Como treinador é a mesma coisa. Isto sucede porque, não sendo naturalmente um bruto, chegando a exibir a fé que move montanhas e ajuda a ganhar campeonatos aos bons servidores de Deus e do seu representante na Terra, percebeu que tem de vestir o fato de bruto para receber a bênção dos seus superiores. Ninguém, de boa mente, poderá acusar o senhor Vítor Pereira do pecado do carisma, daquele magnetismo que parece aureolar os líderes de homens. Simplesmente, não o tem. É duvidoso, como se viu na célebre noite de Coimbra em que o Estado Maior das Antas teve de emprestar alguma autoridade ao seu treinador, que Vítor Pereira fosse capaz de comandar, sem contestação, um grupo de escuteiros. Eternamente agradecido pela protecção divina que o defende de si próprio e das suas incapacidades, o senhor Vítor Pereira tem de pagar com raiva e com aquele ódio simiesco ao Benfica sem os quais um adepto portista não tem direito de cidadania no reino cavernícola do dragão. Durante a semana que passou, a retórica do senhor Vítor Pereira excedeu claramente os limites do seu curriculum. A máscara de indignação e de raiva exibida na declaração no final do jogo, com a repetição de velhos mantras, como o de um suposto favoritismo do Benfica propalado pela Comunicação Social, o Grande Benfica (cuja grandeza, de facto, não é apreensível por um bruto, nem por um simulacro de bruto), serviu apenas para agradar ao chefe e esconder os seus vaticínios falhados. É verdade que ontem, mais uma vez, o Benfica entrou como é habitual contra o FC Porto: a perder antes de o jogo começar. Mas se o Benfica, por mérito do adversário, não conseguiu fazer o seu jogo habitual, o Porto, que de acordo com o senhor Vítor Pereira, praticou o seu futebol habitual, de posse e passe (curiosamente, a estatística diz que a posse de bola foi de 50% para cada lado, mas a estatística, como se sabe, é uma ciência inventada pela Liga e pelos jornais de Lisboa), não criou uma única oportunidade de golo em lances de bola corrida, limitando-se a marcar um livre de equipa pequena e a aproveitar uma fífia do guarda-redes. Mesmo tendo superioridade no meio-campo, a equipa do senhor Vítor Pereira foi praticamente inofensiva no ataque. Pior ainda para o senhor Vítor Pereira é o facto de, contra o futebol rupestre do Benfica, de pontapé para a frente e fé nas segundas bolas, ainda só ter ganhado uma vez, com um golo em fora-de-jogo nos minutos finais e com o adversário a jogar com dez. É natural que ontem em vez de falar sobre o excelente espectáculo na primeira meia hora e da incapacidade da sua equipa de criar uma oportunidade de golo que fosse no “salão de festas”, o senhor Vítor Pereira tenha tido necessidade de vestir o fato de macaco para pagar a dívida de gratidão aos senhores que lhe permitiram, como a muitos outros antes dele, conquistar títulos apesar de si. Ontem, fez o papel de bruto, mas aquela exibição postiça, de pau mandado, não convence ninguém. O único mérito que teve foi permitir que Jorge Jesus aparecesse como um cavalheiro, o que é raro. Nem bruto, apesar dos esforços, nem treinador, apesar do título, Vítor Pereira ainda tem de aprender a ser ele próprio, uma tarefa muito difícil quando se está habituado a ser fantoche.