Cardozo e a Catedral de Leverkusen
Crónica de hoje do Expresso online
Óscar, meu querido, esquece aquilo que escrevi sobre o tijolo que tens no pé direito. Hoje quero apenas dizer-te uma coisa: o teu golo de quinta-feira foi lindo. Não teve, é certo, a geometria divina do golo do Matic contra os norte-coreanos, mas não deixou de ser uma espécie de viagra metafísico. Levantei-me, ergui os braços, olhei para cima e, contra o costume, não gritei. Um grito estragaria a contemplação. Co'a breca, que golo. A finta de anca que deixou o central no chão parecia coisa de sambista e, depois, aquele carinho na bola demonstrou delicadeza de ourives. Foi um golo tão bonito, tão latino, tão delicado, tão pouco alemão, que, confesso-te, chorei um pouquinho quando revi a jogada a partir deste ângulo.
E nem esperei pelo fim do jogo para vasculhar o estendal da memória à procura de golos parecidos, golos assim delicados, golos que não nasceram de remates mas de piparotes dados com a ponta da chuteira. Para começar, encontrei o segundo golo de César Brito nas Antas. Como podes ver, o nosso homem picou a bola por cima de Vítor Baia e do guarda Abel . Ouvi este golo agarrado ao relato da Rádio Renascença numa tarde de domingo de 1991. Agarrado ao meu pai nas bancadas do Jamor, vi outro golo assim, o primeiro da final da Taça de 1993 . Aquela equipa maravilhosa avançou no campo através do milagre da multiplicação das tabelinhas e, com o tal piparote, Paneira chapelou Lemajic, o nosso freguês favorito dos anos 90: encaixou cinco nesta final (pelo Boavista) e, no ano seguinte, foi o guarda-redes do Sporting no famoso 6-3.
Mas, ora essa, quero terminar a conversa com um golo da tua equipa, do teu Benfica, caro Óscar. Olha, por exemplo, para este não-remate de Saviola (o Saviola verdadeiro, o de 2010, não os hologramas de 2011 e 2012). Lembro-me que tive uma reacção parecida à de quinta-feira: levantei-me do sofá, ergui os braços, fiquei mudo e fui buscar um moscatel para embebedar a perfeição daquele não-remate. Sim, o golo de Saviola é magnífico, mas estou desconfiado que o teu golo será o golo desta era jesuítica e cardozista do Benfica. O teu golo alemão é tão bonito, que até merece uma alcunha, ou melhor, um cognome. Por mim pode ser "A Catedral de Leverkusen".