Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Catedral da Luz

Catedral da Luz

Quatro

18.03.13, Lourenço Cordeiro
Quatro. Não são os quatro golos, nem sem os quatro pontos: foram quatro os foras-de-jogo mal tirados ao Benfica durante a primeira parte. Quatro: quatro lances "em linha" que o bandeirinha ajuízou mal; quatro lances em que o bandeirinha, na dúvida, matou a jogada. É um critério. Na liga inglesa, a liga mais vista no mundo, o critério é o inverso: entre estar um pintelho em jogo, ou um pintelho em fora-de-jogo, considera-se sempre que o jogador está um pintelho em jogo. No fim do ano, há mais golos legais, e há mais golos ilegais (por um pintelho). Por cá, preferimos que haja menos golos legais e menos golos ilegais (por um pintelho). O "espectáculo" que se foda.

No rumo certo

18.03.13, Nuno Gouveia

O futebol é algo que já nos habituou a imensas surpresas. E os dois últimos anos, foram pródigos em surpresas negativas. Há dois anos na parte final de época fomos eliminados nas meias-finais da Taça de Portugal e da Liga Europa, da forma que todos nos lembramos. Ano passado, com cinco pontos de avanço, cometemos a proeza negativa de perder essa vantagem e acabar a época novamente de rastos. Precisamente por este passado recente, é necessário não pensar que já está tudo ganho. Pelo contrário, é preciso humildade e manter a cabeça fria. Jorge Jesus hoje esteve muito bem na conferência de imprensa após a goleada ao Guimarães. Deixou de lado a postura arrogante que tantas vezes lhe vimos no passado, e teve um discurso assertivo, mas ciente que nada está ganho. Por outro lado, este ano a equipa não se arrasta pelos campos, e apesar de ter jogado dois jogos por semana durante os últimos meses, manteve-se no rumo das vitórias. Jesus parece ter aprendido com os erros do passado. Os dois próximos meses irão decidir se Jesus marca, realmente, uma era no Benfica, ou não. Pela minha parte não lhe peço muito: ser Campeão Nacional, vencedor da Taça de Portugal e, pelo menos, a Meia-Final da Liga Europa. É que um treinador que em 4 anos ganha 2 Títulos Nacionais, 3 Taças da Liga e 1 Taça de Portugal (e, a cereja em cima do bolo, a Liga Europa) é bem diferente daquele que conquista apenas 1 Título e 3 Taças da Liga. E depois sim, poderá aumentar ainda mais o (seu e nosso) palmarés ao serviço do Benfica.  

Vergonha

15.03.13, Bruno Vieira Amaral

Ontem, o Benfica conquistou um lugar nos quartos-de-final de uma competição europeia jogando com o Jardel, o Roderick e o André Almeida, ganhando os dois jogos como já acontecera na eliminatória contra o 3º classificado do campeonato alemão. Quem ouvisse os comentadores lagartos Ribeiro Cristóvão e Rui Santos e, mais tarde, aquela coisa do Jorge Baptista pensaria que o Benfica tinha perdido a eliminatória. Diziam que o Bordéus é uma equipa fraquíssima e que não constituía um verdadeiro teste. O Baptista até chegou a dizer que o Benfica este ano não ganhou ao Porto, só ganhou a um Sporting desfalcadíssimo e a um Braga em curva descendente. Sabe tão bem vê-los a espumar.

O Benfica é o D. Sebastião em chuteiras

14.03.13, Henrique Raposo

A TV do Glorioso tem um segmento espiritual que faz lembrar a literatura de auto-ajuda. É sobre a mística, e está cheio de vozes que cantam as habituais loas: "o Benfica é o maior", blá-blá, "isto nasce connosco", pois, pois, "nós sentimos de maneira diferente", ui, ui, "a mística não se explica". Em todo o seu esplendor, ali está o sebastianismo que deu cabo do Benfica. Perdido o império real (início anos 90), os benfiquistas refugiaram-se nesta espécie de Quinto Império com cachecol, gorro e almofadinha pra bola. Em vez de enfrentarmos as fraquezas concretas do clube, inventámos uma grandeza sebastianista que invoca um direito divino à vitória. Somos os maiores, porque sim, porque sentimos de maneira diferente, porque, ora essa, a mística não se explica, é uma chama eterna.

Nos anos negros, andámos num corrupio de treinadores, porque pensávamos que bastava trocar de míster para que a grandeza regressasse. A mística, essa força que escapa ao entendimento, ao trabalho e ao mérito, só precisava de um intérprete que falasse sebastianês. Se encontrássemos o treinador certo, a mística desceria das brumas e entraria no campo através do corpo do treinador escolhido. Com um "treinador em condições" voltaríamos a ultrapassar o Porto, "este ano é que é, este gajo novo é que sabe, o Porto está lixado". O efeito final deste rodopio foi a eleição de um bandido para a presidência. Mas, verdade seja dita, a paranóia sebastianista não terminou com a saída de Vale e Azevedo. Trocámos Mourinho por Toni. Porquê? Ao que parece, Toni era um D. Sebastião de bigodinho; o génio que hoje assombra a Pérsia tinha a magia inexplicável da "chama imensa" e, por isso, desprezámos a competência de Mourinho. E há mais. No verão de 2007, Vieira despediu Fernando Santos logo após a primeira jornada. No dia seguinte, li coisas como "Camacho vai acordar o Benfica". Parece impossível, mas chegámos a ver D. Sebastião num espanhol.

"A mística não se explica", diz a malta. Lamento, mas não é assim. A mística explica-se, sim senhora. A mística começa num treinador com tempo para pensar e acaba num balneário com históricos. No fundo, a mística precisa de tempo e de trabalho. A nossa mística passou da geração do Eusébio para a geração do Shéu e acabou na geração do Paneira. Quando Artur Jorge despediu os últimos dos moicanos (Paneira, Isaías, etc.), a mística perdeu-se, ou seja, o balneário do Benfica passou a ser uma tabula rasa. Incapazes de compreender esta coisa tão simples, nós não tivemos calma para voltar a construir um balneário. Querem exemplos? Robert Enke chegou a ser capitão com apenas dois anos de clube. Felizmente, o clube recuperou o tino e, hoje, temos um treinador com anos de casa e um plantel com um número aceitável de brasonados. E, mais importante, Maxi, Luisão, Cardozo e Aimar estão a passar o facho a uma nova geração (André Gomes, André Almeida, Matic). Portanto, não me venham com pressas e fezadas sebastianistas. A mística é trabalho. 

Benfica e o medo de ser feliz

07.03.13, Henrique Raposo

A malta está contente com o primeiro lugar e já esqueceu o jogo de domingo, o pior da temporada, o pior jogo na pior altura possível. Não perdemos a chance de ultrapassar a república norte-coreana, porque os avançados do Beira-Mar confundiram a bola com a atmosfera num par de vezes. Foi um jogo deprimente, faltou a tal estaleca de campeão. No final do jogo, a minha mulher não percebia a irritação, "mas não ficaste à frente dos outros?", fiquei, mas passei com um 10 e aquela era matéria para um 20. 

A treta dos jogos mentais não é treta. No domingo, assistimos a um bloqueio mental em directo, parecia um big brother para psicólogos. Até chegar ao golo, a equipa carregou e jogou com normalidade. Alcançado o golo que garantia uma coisa nova e importante, a equipa bloqueou. Ficou sem saber o que fazer, como se fosse um tenentezinho a fazer as vezes do general. De um momento para o outro, a equipa perdeu a identidade, ficou com medo de estar em primeiro, ficou com medo de ser feliz, a doença do Benfica das últimas duas décadas. O ditado diz que "candeia que vai à frente alumia duas vezes", e é verdade. Porque é muito difícil chegar ao topo e, pior, é ainda mais difícil manter os dois pés no topo. Estar no topo dá vertigens de felicidade que nem todos aguentam. E a tal mística surge quando se assume a normalidade deste estado eléctrico de contentamento. A mística transforma uma equipa numa junkie de felicidade. Olhem para Ferguson: tem a idade de um elfo, mas parece um puto a pular, a mascar, a festejar. É a mística, é não ter medo de ser feliz, é ser um dependente dessa felicidade.

Depois de vinte anos de humilhações, nós ainda não recuperámos a tal mística. Temos medo. Quantos benfiquistas ficaram secretamente felizes com a eliminação nas meias-finais da Liga Europa, pois essa eliminação livrou o clube de mais um jogo com o Porto? Muitos. Foram demasiados anos, quase uma geração, de erros e parvoíces que conduziram a equipa a um poço. Mas, lá está, recuperar implica ganhar, mesmo quando se ganha mal, mesmo quando se tem a estrelinha como segundo guarda-redes. Se formos campeões este ano, conseguiremos um segundo título em quatro anos, ou seja, podemos estar perante o início de uma nova fase. Os nervos do Papa norte-coreano indiciam isso mesmo.