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Catedral da Luz

Catedral da Luz

Falta pouco...

28.04.13, Filipe Boto Machado

Falta pouco para sermos bem sucedidos, mas os jogos que faltam vão ser os mais difíceis da época. Os jogadores começam a apresentar sinais de evidente cansaço, temos adversários complicados pela frente (a começar já amanhã, pelo Marítimo), uma eliminatória para virar na quinta-feira, uma viagem até ao antro da corrupção na penúltima jornada da Liga 2012/13 e, pelo menos, uma final para disputar. A época começou bem, foi correndo muito bem (excepção à participação na Champions), mas o que importa é que termine ainda melhor. É como uma etapa de uma prova de ciclismo. Chegámos à ponta final da etapa isolados, temos maiores hipóteses de vencer do que aqueles que nos perseguem, mas a ponta final vai ser uma subida bem íngreme e com muitas curvas. Além disso, tal como numa prova de ciclismo, temos que estar atentos àqueles tipos que gostam de se atravessar à frente do ciclista e ameaçar deitar o seu esforço por terra. Neste caso, o tipo que nos pode empurrar é enviado por aqueles que nos perseguem e equipar-se-á de preto. Nós sabemos que eles vão aparecer. Não podemos evitar. Temos apenas que conseguir resistir aos empurrões e mantermo-nos firmes até cruzarmos a meta.

As pressões surgem de todo o lado. Os andrades conseguem ter a lata de falar de arbitragens. Quais virgens ofendidas, aqueles que corromperam  árbitros e compraram campeonatos pensam que já ninguém se lembra de nada e por isso insinuam que outros fazem aquilo que eles fizeram. Os lagartos, lá bem em baixo, no 10º lugar da Liga, arranjaram uma tempestade com a arbitragem do último domingo. Todos sabíamos que era o jogo do ano para eles e que fariam tudo para entregar o título à casa mãe. Não criaram uma ocasião de golo, sofreram dois golos limpos, mas passaram uma semana inteira a falar de capelas e igrejas. Meus caros, vejam e revejam a jogada do 2º golo. Foram poucos segundos, mas deu para ver naquela jogada 37 pontos de distância. É isso que nos separa. O resto é conversa de calimero.

A campanha está montada. Todos esperam que amanhã possamos perder pontos e os árbitros já foram chamados a colaborarem. Amanhã, frente ao Marítimo, acredito que teremos o primeiro obstáculo extra. Temos de resistir a esse primeiro empurrão. Não podemos cair. É importante vencer amanhã, pois daqui a 15 dias aparecerá o último grande obstáculo. A esse obstáculo será muito difícil escapar. Aquela subida de inclinação bem elevada costuma ter um indivíduo chamado Proença que não nos larga enquanto não nos atira ao chão. Temos que ter alguma margem para aguentar esse valente empurrão. Não queremos que, mais uma vez, uma Liga seja decidida por esse indivíduo. Temos que evitar que ele seja bi-campeão. A meta está próxima e a equipa está forte para aguentar uns empurrões. Vamos lá ser campeões!


PS: Na Liga Europa, faltam 90 minutos para voltarmos a uma final europeia. Estamos em desvantagem, mas somos capazes de virar a eliminatória na quinta-feira. Carrega Benfica!

Paz de Cristo no Estádio da Luz

24.04.13, Henrique Raposo

Agora os jogos são sempre à noite, mas continuo a ir para o estádio a meio da tarde. Reflexos do passado. E a meio da tarde, às portas da Luz, um jogo grande é aquilo que sempre foi: um pequeno laboratório de Portugal. Perco a conta aos diferentes sotaques. Três só do Alentejo: o do Alentejo aquático, o meu, o da malta do Alto, estilo Évora, essa cidade sub-beirã, e aquela coisa que se fala em Niza. Se os ouvidos estão entretidos com sotaques, os olhos reparam no maior mistério da bola desde os tempos da almofadinha-pra-bola: as mulheres que se produzem para ir ver um jogo de futebol. Estão ali, num domingo à tarde, entre cerveja, coirato e asneiredo, mas estão vestidas e calçadas como se fossem para a discoteca de sábado à noite. Eu não me importo com o espectáculo, mas fico fascinado com o desarranjo teatral entre o cenário e as personagens. É como se personagens de uma tragédia tivessem caído numa comédia.

Portas abertas, subo até ao lugar, até ao parceiro de bola, o meu barbeiro, até à discussão sobre as tácticas da equipa, os gestos a fazer à claque rival, a consistência das queijadinhas de Sintra (o lanche eterno do Estádio da Luz). Enquanto falamos, chovem outras dissonâncias teatrais, como aquela senhora que sobe todas as escadinhas do terceiro anel com saltos de 10 cm. Ali está um titã, um portento de força, uma carregadora de piano que daria muito jeito ao nosso meio-campo defensivo. E, de repente, sem saltos altos, a harmonia chega: uma família inteira, dez ao todo, avó incluída, senta-se à minha beira. Imediatamente ao meu lado, o caçula da família, não mais do que dez anos. O que coloca um dilema: aqueles ouvidos aguentam palavras cabeludas? Posso comentar a vida profissional da mãe do árbitro ao lado de uma criança? O dilema não aguenta cinco minutos de jogo. Lamento, mas bola sem asneiredo é como missa sem reza. Do mal, o menos: o menino fica a saber palavras novas e, acima de tudo, novas combinações de palavras.

Ao intervalo, duas mudanças: Gaitán começa a jogar e a avó substitui o neto na cadeira ao meu lado. E, atenção, a senhora é mesmo uma avó, não é uma daquelas varinas encarnadas que fazem de mim um menino no campeonato do asneiredo. Portanto, contenho a verve de índio do terceiro anel. Não faz mal, porque Gaitán resolve sossegar-me com aquele golo. O Estádio implode e segue-se uma espécie de Paz de Cristo futebolística. A meio da missa, como sabem, temos de dar beijinhos e apertos de mão às pessoas que nos rodeiam. Ali é igual: tocamos, abraçamos e até beijamos gente que nunca vimos na vida. O Estádio da Luz não é a Catedral por causa da monumentalidade. Não é a arquitectura que faz a fé. A Catedral é a Catedral por causa desta Paz de Cristo em chuteiras. Benfiquista que não abraça não é benfiquista. À direita, abracei o meu barbeiro e um angolano, por cima comunguei com o pernil de três jovens em leggings, e à esquerda abracei aquela avó com um prazo de validade de 45 minutos. E foi bom sentir aquele buço benfiquista. Obrigado, Nico.

Saviola

16.04.13, Tiago Mota Saraiva


Ao longo da carreira encontrei vários tipos de adeptos. Dos fanáticos de Sevilha, aos low profile do Mónaco. Mas como também já referi, não encontrei nenhuns com a genuína paixão dos benfiquistas. É quase inexplicável. Sente-se olhando fundo nos olhos das pessoas. Sente-se nas   manifestações espontâneas nas ruas, nos restaurantes, no estádio. Sente-se nas cartas que recebemos (...). Quem já passou pelas mesmas   situações - em países diferentes, com clubes diferentes e adeptos   diferentes - sabe distinguir claramente os sentimentos. Aqui é distinto.   Garanto!." "O Benfica é um clube muito especial. Não digo isto para ser   politicamente correcto ou conquistar o coração de quem quer que seja.   Aliás, antes de vir para Portugal, posso confessar que desconhecia em   absoluto esta grandeza.O Benfica foi-me conquistando e convencendo com   factos. É daqueles clubes que te surpreende dia após dia.Quando conto   isto a alguns colegas de outros clubes eles estranham. Como é que alguém passou pelo Real Madrid ou Barcelona se pode surpreender? A explicação é   simples. O Real ou o Barça são como teatros gigantescos e nós,os   jogadores, somos os actores principais de uma grandiosa encenação. No Benfica é outra coisa, mais ligada ao sentimento, ao povo, à paixão. Vem das raízes, é genuíno.Os adeptos conseguem transmitir-nos exactamente o que lhes vai na alma. Sentimos essa força na pele.

[daqui]

No estádio

01.04.13, Bruno Vieira Amaral

Sou um benfiquista de sofá. Preguiçoso. Volátil. Por vezes nem sequer vejo os jogos na televisão. Sofro muito. Outra razão para não ir ao estádio é, digamos, demográfica. Nós somos mais de 6 milhões e o estádio só tem capacidade para 65 mil. Não quero arranjar chatices com ninguém e há pessoas que gostam mesmo de ir ao estádio, gostam de ver a bola ao vivo, e assobiar ao vivo, mostrar lenços brancos ao vivo e berrar insultos que o árbitro não ouve (“o Pinto da Costa está a dormir com a tua mulher”, por exemplo). Como normalmente jogamos tarde e a más horas, seja ao sábado ou ao domingo, por conveniência do nosso querido parceiro televisivo, adeptos bissextos, como eu, não têm incentivos para ir ao estádio. Mas esta semana, semana santa, fui ao estádio da Luz. Não foi por estarmos na mó de cima. Foi por altruísmo. Foi a primeira vez que levei o meu filho ao estádio. E valeu a pena. Não só por causa dos seis golos, mas por tudo o resto. A antecipação, o caminho para o estádio, o entusiasmo infantil de quem, nas palavras dele, dava “os primeiros passos no estádio da Luz”, depois a dizer-me, assim que se sentou na cadeira, que “isto é muito melhor do que na televisão”, o ambiente norte-coreano de emoção quando se canta o hino, o voo da Vitória, o Cardozo que estava ali a aquecer, a euforia colectiva com a entrada do Aimar em campo – prova que os adeptos benfiquistas são uns sentimentais – o cachorro que o meu filho devorou ao intervalo, o pedido dele para ficarmos no estádio até ao último minuto, o caminho de regresso a casa. Voltámos cansados e felizes como só se pode ficar com esta coisa tão arcaica, tão simples e tão bela que é um jogo da bola do nosso (meu e do meu filho) Benfica.