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Catedral da Luz

Catedral da Luz

Eusébio, o nosso ADN mulato

07.01.14, Henrique Raposo

 

Coluna de ontem do Expresso online

 

Não deixem passar este momento de forma demasiado rápida, não matem a morte do Eusébio em apenas dois dias de frenesim mediático, porque o nosso mulato voador abre demasiadas portas sobre a tal "identidade portuguesa". Querem exemplos? Deco e Pepe naturalizaram-se portugueses num espaço livre e democrático; Eusébio era português por causa de um império colonial de um regime autocrático; mas, ora essa, eu sinto Deco e Pepe como entidades postiças e sinto Eusébio como português, aliás, como um super português, um português que carregava séculos naquelas chuteiras. Contra toda a racionalidade liberal, constitucional e democrática, eu vejo um português num súbdito de um império colonial pouco simpático para negros, e recuso ver Portugal em cidadãos livres que escolheram livremente a condição de português. São assim as nações velhas: labirínticas, incompreensíveis, interessantes. 

Sim, as nações velhas como Portugal são seres emotivos antes de serem seres racionais, têm pulsões históricas que estão a montante das purezas racionais dos regimes. Imaginem que se colocava agora a seguinte pergunta aos portugueses: "o que achava do império africano?". A maioria responderia que o tal império não fazia sentido, que era ilegítimo, etc. Todavia, os portugueses consideram como seu um homem (Eusébio) que nasceu nesse império ilegítimo. Porquê? Ilegítimo ou legítimo, aquele império faz parte da nossa memória, e as nações são memórias colectivas. Na dor e na alegria, todas as famílias portuguesas foram tocadas por África: os soldados da guerra trouxeram traumas mas também "o melhor tempo da minha vida"; os retornados trouxeram dor mas também a memória do "melhor tempo da minha vida" e o sonho de um país mulato que ficou por construir. Além de estar na memória, aquele império também está no nosso ADN, no nosso sangue, um sangue que corria nas veias de Eusébio, filho de mãe negra e de pai branco, Laurindo António da Silva Ferreira, um português de Angola.

Quando Mantorras pulava do banco para aquecer, o Estádio da Luz recebia uma descarga de energia que explodia quando o angolano entrava em campo. Como explicar aquela relação entre Mantorras e os benfiquistas? Não basta dizer que nós, benfiquistas, víamos ali o novo Eusébio e o regresso à glória do antigamente. Aquela pulsão era mais funda e menos racional do que este cálculo clubístico, era a sublimação inconsciente das memórias africanas. Para o bem e para o mal, a nossa história está mesmo fundida com a história de África. Tenho muito orgulho em que o jogador mais amado da história recente do meu clube seja um africano que nunca vestiu a camisola das quinas. Tenho muito orgulho em que o melhor jogador português de todos os tempos seja um africano, um mulato que, apesar de tudo, escolheu ser português. As lágrimas de 1966 eram de português. A toalha branca de 2004 era de português. 

Honrar Eusébio

06.01.14, Nuno Gouveia

Provavelmente nunca mais teremos um jogador maior do que o Benfica, como Eusébio o foi. Mas dos jogadores actuais, Cardozo é aquele que mais se aproxima do Pantera Negra. Não espanta que se tenha despedido desta forma, mostrando que tal como todos os benfiquistas, também ele ficou emocionado com a sua partida. São jogadores como Cardozo que continuarão a elevar o nome do Benfica e a honrar aquilo que Eusébio foi. Domingo contamos com todos os jogadores (infelizmente Cardozo não vai estar presente) para novamente honrar o nome de Eusébio, oferecendo-nos a todos uma vitória! Eusébio, lá no céu, sorrirá e não deixará de festejar como nós, os 60 mil que gritarão o seu nome bem alto no estádio. 

Da vergonha estatal

06.01.14, José Maria Barcia

 

 

Assunção Cristas, no alto da sua posição de Presidente da Assembleia, sobre a transladação de Eusébio para o Panteão Nacional, diz que "a operação envolve «custos mesmo muito elevados, na ordem de centenas de milhares de euros», a suportar pelo orçamento do parlamento".

 

 

Esteves sugere que haja uma partilha dos custos por outras palavras que um grupo de cidadãos ou uma associação pague aquilo que todos deveriam pagar. 

 

Assunção Esteves esquece-se de uma coisa: o orçamento do Parlamento não se deve limitar aos almoços faustosos de faisão, à frota automóvel de luxo e outras bizarrias ainda sustentadas pelos contribuintes. O Panteão Nacional deve albergar os símbolos de Portugal e, tal como Fernando Pessoa ou Amália Rodrigues, Eusébio ascendeu a esse patamar ainda durante a vida.

 

Eusébio conseguiu o que muitos poucos conseguem. Eusébio conseguiu união. Do mais espantoso de ser ver nos dias que correm, é todo uma sociedade à volta de um "simples" jogador de futebol. Uma pessoa, nascida em Moçambique, que se fez e fez Portugal. Um símbolo de Portugal que só não devia estar no Panteão se for essa a vontade da família, porque ao contrário de Assunção Esteves, é-me difícil encontrar outro português com reticencias em deitar Eusébio onde ele merece.

 

P.S. (porque não merece mais) As declarações de Mário Soares mostram bem que é o homem. Alguém que não consegue conceber que, em Portugal, exista alguém maior que ele. A snobeira execrável deste "estadista" só pode ser desculpada pela idade avançada. E quem só diz disparates não deve ter palco para o fazer.

deusébio

06.01.14, Tiago Mota Saraiva

 

Assim mesmo: deusébio. Divino com letra pequena, que o aproxima de todos nós. Um herói de muitas pátrias - Benfica, Moçambique, Portugal ou Wembley. 
Com Eusébio a pátria que nos une neste blogue, o Benfica, não seria o que é hoje. Mas também é justo lembrar que o inverso também é verdadeiro ou que sem Coluna, Torres, Simões, José Augusto, Águas e tantos outros de um colectivo fabuloso, Eusébio não teria sido deusébio tal como o vemos hoje. Dos génios da banalidade que se perpetuam nas TV's - valham-nos os homens do futebol que ainda vão aparecendo - contam-se as historietas do costume, com destaque para a repetida mentira que Eusébio ajudou o Benfica a conquistar duas Taça dos Clubes Campeões Europeus.

Perante a situação que o país atravessa há quem se indigne por todas as atenções que lhe estão a ser reservadas descurando o extraordinário movimento de massas que une o seu povo. Eusébio era um homem que sempre apoiou a direita, mas alguém que nunca perdeu a ligação aos seus povos. É também isso que faz com que, num momento de consenso em que até o Presidente do FCPorto Pinto da Costa merece um enormíssimo elogio pelas palavras sentidas que dedicou a Eusébio, o primeiro ministro que vende o país e que se prepara para roubar ainda mais a reforma de pessoas com a idade do Eusébio, merece todos os apupos que ouviu no Estádio da Luz.

De Eusébio, que nunca vi jogar, já todos ouvimos falar de inúmeros grandes momentos e golos. Mas gostaria de terminar este escrito com uma consideração que li ao Vasco M. Barreto. Eusébio terá sido "um dos jogadores mais fotogénicos de todos os tempos", oferecendo-nos das mais extraordinárias imagens de força, equilíbrio, dor, amizade e beleza.

 

 

 

 


 

 

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